Com 120 milhões de usuários do aplicativo de mensagens, Brasil é o primeiro país a receber lançamento em larga escala da ferramenta de transferências e pagamentos; Banco Central observa funcionalidade com cautela.
Um dos países com maior presença no WhatsApp, com 120 milhões de usuários, o Brasil foi escolhido pelo Facebook para estrear o serviço de pagamentos do aplicativo de mensagens. Anunciada ontem pelo presidente executivo da rede social, Mark Zuckerberg, a funcionalidade tem parceiros locais como Banco do Brasil, Cielo, Nubank e Sicredi e chegará aos poucos aos brasileiros: segundo apurou o Estadão/Broadcast, cerca de 1,5 milhão de pessoas no País tiveram o recurso liberado ontem.
“Queremos expandir em breve para mais pessoas e outros parceiros, mas ainda não temos uma data definida”, diz ao Estadão Matt Idema, diretor de operações do WhatsApp. Com a ferramenta, usuários poderão transferir quantias a outros contatos e também realizar pagamentos para empresas que usem o WhatsApp Business, versão corporativa do app. A novidade é similar à disponibilizada pelo chinês WeChat, da Tencent, que transformou os meios de pagamentos no país asiático.
Para que os pagamentos possam ser realizados, o Facebook lançou também no País o Facebook Pay, que vai permitir que usuários façam pagamentos por meio de aplicativos – nos EUA, a ferramenta já é usada para compras feitas diretamente na rede social e também no Instagram.
“Essa é a ideia para o futuro no Brasil também, o Facebook Pay poderá ser usado em toda a nossa família de aplicativos”, afirma Idema. Segundo ele, o Facebook trabalha há dois anos nesse projeto – além do Brasil, países como a Índia também participaram dos testes para a operação, mas a popularidade do app entre usuários e empresas pesou a favor do País.
Bastante usado por políticos, especialmente em período eleitoral, o WhatsApp afirma que não a funcionalidade de pagamentos não poderá ser utilizada para campanhas ou doações nessa área. Segundo a empresa, é algo que fere os termos de uso do aplicativo e “pode resultar na desativação da conta”, confirmou à reportagem. “Criamos isso apenas para pessoas físicas e empresas que comercializam algo pelo WhatsApp, com regras bem específicas”, diz Idema.
Transações terão regras; usuário poderá movimentar até R$ 5 mil por mês
As transações entre usuários terão de obedecer a algumas regras, como o teto de R$ 1 mil e o uso apenas de cartão de débito, que terá de ser vinculado a uma conta bancária – segundo Idema, os valores recebidos por pessoas físicas já cairão direto na conta do usuário. Além disso, não haverá taxas de transferência, mas um usuário poderá fazer até 20 transações por dia e movimentar no máximo R$ 5 mil por mês. Todas as operações também terão de ser aprovadas com uso de senha ou biometria. “Se o telefone for roubado, ninguém poderá fazer transações com ele se não tiver a sua senha”, explica o executivo do WhatsApp.
Os pagamentos para empresas, por sua vez, poderão ser feitos a partir de cartão de débito ou crédito das bandeiras Visa e Mastercard. As pessoas jurídicas não terão limite de valores a receber, mas todas as transações terão uma taxa fixa de 3,99% – os valores serão divididos pelo banco do usuário, o Facebook e a Cielo.
Com o anúncio, a empresa de adquirência teve um empurrão na alta de suas ações na bolsa como há muito tempo não se via: ontem, os papéis subiram 14%, cotados a R$ 4,80. A leitura do mercado foi a de que a Cielo foi além das maquininhas com a parceria junto ao Facebook, que é justamente onde a gigante fica atrás de seus concorrentes. A reação, contudo, foi exagerada na opinião do Citi, que vê o risco de outros competidores aderirem à novidade em breve.
Para David Vélez, presidente executivo do Nubank, a nova ferramenta é mais um passo para bancarizar o Brasil. “Trabalhamos bastante para ter uma experiência de usuário fácil para as pessoas. Esse produto pode aumentar o crescimento de usuários da nossa conta digital e do cartão de débito”, afirma ao Estadão. “Além disso, também será um jeito de começar relacionamento com clientes que poderão usar outros produtos financeiros no futuro, como o cartão de crédito.”
Além disso, o executivo destacou que a chegada do serviço do WhatsApp pode ajudar com o fim da cobrança de tarifas por transferências bancárias. “Hoje, enviar dinheiro é enviar bits. Se você tem uma infraestrutura moderna, cobrar por esse envio é algo que não faz mais sentido.”
É um movimento que, na visão de Vélez, vai se intensificar com a chegada do PIX, sistema de pagamentos instantâneos que está sendo desenvolvido pelo Banco Central no País. Para o banco suíço UBS, o lançamento da disponibilidade de pagamentos por meio do WhatsApp no Brasil é uma antecipação do PIX – ambos estarão disponíveis 24 horas, sete dias por semana, algo que não acontece hoje.
Conselheiro da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Guilherme Horn também vê potencial na ferramenta para reduzir o número de brasileiros desbancarizados – segundo dados do Instituto Locomotiva, havia 45 milhões de pessoas sem conta bancária no País em 2019. No entanto, Horn acredita que será preciso ter atenção para que a ferramenta não seja usada para fraudes.
Banco Central diz que está vigilante
Mesmo reforçando o objetivo de o programa ser ‘aberto’, o anúncio do WhatsApp causou chiadeira tanto no Banco Central como nas empresas privados que ficaram de fora da primeira etapa, apurou o Estadão/Broadcast. Na autoridade monetária, a leitura, segundo duas fontes ouvidas pela reportagem na condição de anonimato, é a de que o Facebook faça concorrência para o sistema de pagamentos instantâneos no Brasil, o PIX.
Procurado, o BC informou que está acompanhando a iniciativa do WhatsApp e que há grande potencial para sua integração ao PIX. Entretanto, chamou de ‘prematura’ qualquer iniciativa que possa gerar fragmentação de mercado e concentração em agentes específicos. “O BC vai ser vigilante a qualquer desenvolvimento fechado ou que tenha componentes que inibam a interoperabilidade e limite seu objetivo de ter um sistema rápido, seguro, transparente, aberto e barato”, acrescentou a autoridade monetária.
O Banco Central tem monitorado de perto a estratégia de gigantes de tecnologia como Apple, Google, Facebook e Amazon. Em recente publicação, avaliou que esses players têm ingressado de forma rápida no sistema financeiro nacional e que representam um “grande desafio” para a regulação, conforme o Relatório de Economia Bancária (REB). Isso porque as empresas possuem uma grande base de consumidores, fácil acesso a informações e modelos de negócio robustos.
Um especialista do setor de tecnologia bancária, que prefere não ter seu nome revelado, explica que o WhatsApp será um concorrente do PIX assim como os demais meios de pagamentos e, inclusive, o dinheiro. “Tudo concorre. A concorrência será tecnológica e o maior beneficiado é o cliente na ponta”, avalia. O anúncio do WhatsApp coincidiu com a circular que institui o PIX no Brasil, publicada hoje pelo BC. O sistema começará a funcionar em 3 de novembro de 2020 e a previsão é a de que esteja em pleno funcionamento em 16 de novembro.
Por Aline Bronzati e Bruno Capelas – O Estado de S. Paulo
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