Cortes e reestruturações gerados pela crise e o engajamento de grandes holdings com a proposta de inclusão racial são algumas das movimentações marcantes do ano
Em um ano marcado pela crise da Covid-19 – e pelos seus devastadores e transformadores efeitos que acometeram todo o planeta – Meio & Mensagem reúne os eventos e movimentos mais importantes de um 2020 que obrigou a indústria da Comunicação, assim como os demais segmentos econômicos, a revisitar seus propósitos de atuação, estilo de trabalho e a modificar estratégias para manter-se ativa.
Confira abaixo os assuntos de Comunicação que foram destaque nas plataformas de conteúdo de Meio & Mensagem ao longo do ano. A lista foi definida pela redação, sob critérios editoriais:
Crise gera cortes e reestruturações
A crise econômica provocada pela Covid-19 obrigou os maiores grupos de comunicação a adotarem medidas de redução de gastos. Omnicom, IPG e DAN foram mais enfáticos em relação a redução nas equipes. O WPP suspendeu contratações, adiou o aumento de salários previstos para este ano e algumas de suas agências optaram pelo afastamento de funcionários. A alta cúpula de algumas holdings, como Arthur Sadoun, chairman e CEO do Publicis Groupe, John Wren, CEO e chairman do Omnicom, Mark Read, CEO do WPP, e Michael Roth, chairman do IPG, anunciaram a redução temporária de seus salários, medida que se estendeu ao board das companhias. A crise que atingiu as holdings em 2020 foi mais um golpe em um cenário que já era bastante desafiador: de acordo com o Agency Report, 2019 foi o ano mais fraco para o crescimento das agências nos Estados Unidos desde a Grande Recessão. A Forrester Research, por sua vez, estima que as agências terão cortado 35 mil postos de trabalhos no país até o final de 2020 e que, globalmente, as holdings terão demitido 49 mil funcionários.
WPP intensifica plano de consolidação
O ano foi marcado por consolidações significativas, globais e locais, no WPP. Os movimentos seguem o plano traçado por Mark Read, desde que assumiu o comando da companhia como CEO, há dois anos. No Brasil, a holding anunciou a fusão entre Y&R e VML. Os dois escritórios nacionais eram os únicos da rede global que ainda não operavam unidos. Fernando Taralli, CEO da VML, assumiu o posto de chefe executivo da VMLY&R São Paulo. Já David Laloum deixou a função de CEO da Y&R e passou a atuar como CSO e sócio da empresa de inovação Distrito. Marcos Quintela assumiu o cargo de chairman do grupo, que também inclui a Mutato e a VML Rio, cujas atividades seguem independentes. Globalmente, o WPP anunciou a união entre AKQA e Grey, que posicionou Ajaz Ahmed, fundador da AKQA, como CEO do Grupo AKQA. Outra mudança foi a incorporação da Geometry, especializada em varejo e e-commerce, pelo grupo VMLY&R, originando a VMLY&R Commerce. Fora do WPP, a Dentsu fundiu duas de suas principais marcas, a Dentsu e a McGarryBowen, dando origem à Dentsumcgarrybowen.
Anunciantes e agências flexibilizam relações
Parcerias duradouras entre marcas e suas respectivas agências continuarão a existir mesmo sob o passo mais rápido da transformação do mercado. No entanto, as relações que ultrapassam décadas passam a conviver com formatos alternativos de parceria, a depender do objetivo do anunciante. Ao longo do ano, agências reconhecidas por relacionamentos longevos com seus clientes criaram trabalhos isolados para marcas, como FCB Brasil, que criou um filme para RaiaDrogasil, AlmapBBDO, que fez um projeto para Rappi, e Africa, que fez campanhas para AB InBev e Fila. Uma pesquisa da agência Heart realizada em parceria com a Bistrô Estratégia ouviu 30 heads de marketing de empresas como Pepsico e Alpargatas para saber os rumos das relações com agências. De acordo com o levantamento, 50% dos clientes que possuem contrato de fee pretendem mudar o modelo de remuneração com o fim da pandemia. Já a Scopen ouviu 51 profissionais responsáveis pelo marketing ou compra de mídia e, para 86%, as relações entre marcas e agências tornou-se mais empática, próxima e flexível com a Covid-19.
Festivais cancelados, conteúdos online
Pela primeira vez em sua história, o Festival Internacional de Criatividade de Cannes foi cancelado. A 67ª edição da principal premiação da indústria foi oficialmente adiada para 2021 dias depois de holdings como WPP e Omnicom terem anunciado que não participariam do festival em 2020. Em junho, na semana que ocorreria o evento, a organização fez o streaming do Cannes Live, que contou com debates, keynotes, homenagens, como a de Agência Global da Década, entregue à AlmapBBDO, e o Leão de São Marcos, concedido à Mary Wells Lawrence. O Wave, festival realizado por Meio & Mensagem para reconhecer a criatividade latina, teve as edições de 2020 e 2021 canceladas. Outros dois eventos que mobilizam boa parte da indústria de comunicação haviam sido cancelados meses antes: o Mobile World Congress, realizado em Barcelona, e o South by Southwest (SXSW), que ocorreria em Austin. Outras premiações de criatividade, como The One Show e D&AD, cancelaram as programações presenciais, mas mantiveram as premiações, realizadas online.
Holdings anunciam metas para mudar quadro racial
Os protestos antirracistas que percorreram ruas de diversas regiões dos EUA chegaram às portas das agências de publicidade. Em junho, um coletivo formado por 600 pessoas negras divulgou carta aberta às holdings de comunicação. O documento listou 12 medidas que os grupos e suas agências deveriam adotar para aumentar a presença negra nas equipes, coibir o racismo no ambiente do trabalho e melhorar a qualidade dos projetos veiculados por meio da diversidade de profissionais. IPG e Dentsu enviaram comunicados internos revelando estatísticas étnico-raciais. O WPP se comprometeu aos 12 compromissos emitidos pela carta Call For Change. Entre as medidas, investirá US$ 10 milhões ao longo de três anos para apoiar entidades antirracismo e programas de inclusão. Iniciativas independentes como o projeto Hiretone, criado pela dupla Victor Emeka e Zé Celso Oliveira, trouxeram o debate do racismo nas agências à tona: a iniciativa catalogou as contratações feitas por agências em 2020 e mostra, por meio de uma paleta de cores, que o mercado precisa agilizar ações para mudar a desigualdade racial.
Reconfiguração no grupo ABC
O ano de 2020 começou com o anúncio do afastamento de Guga Valente e Nizan Guanaes das funções executivas do Grupo ABC, fundado por ambos em 2002. O cargo de CEO, até então exercido por Guga, foi assumido por Cristiano Muniz, que já havia trabalhado como COO e CFO da empresa. A consultoria NIdeias, comandada por Nizan desde 2018, passou a atuar de maneira independente, mas respeitando a cláusula de non compete, que impede a operação de prestar serviços que conflitem com os oferecidos pelo ABC. Tanto ele quanto Guga, que respondeu como CEO do grupo desde sua fundação, atuarão como conselheiros da holding até 2021. A saída da dupla antecipou a renovação de contrato do Omnicom, que controla o ABC, com os copresidentes da Africa, Marcio Santoro e Sergio Gordilho, para mais um ciclo de ambos à frente da agência. Em março, a holding encerrou as atividades de uma de suas marcas, a Tribal, e transferiu as contas para a SunsetDDB. Outra mudança no portfólio do ABC foram os 30% de participação da Pereira & O’Dell, comprados pela alemã Serviceplan Group, em outubro.
Mais simbiose entre consultoria, tecnologia e comunicação
A compra da holding Haus pelo Grupo Stefanini é um dos movimentos que evidencia a simbiose entre consultorias, agências e empresas de tecnologia. A Haus, que tem como maior empresa a agência W3Haus, espera alavancar o pensamento estratégico apoiado por dados, inteligência artificial e analytics, já que a multinacional brasileira Stefanini trabalha em soluções de negócios baseadas em tecnologia. Do outro lado, Marco Stefanini, CEO da companhia, pretende estender o leque de ofertas em marketing para compreender mais a fundo o consumidor e, assim, desenhar estratégias de negócio mais assertivas. A aquisição segue algumas outras, como as da Accenture Interactive, que em 2015 comprou a AD Dialeto e em 2018 adquiriu a New Content. Eduardo Bicudo trocou o posto de CEO da Accenture Interactive América Latina pelo de CEO do Dentsu Aegis Network no Brasil. De acordo com ele, a aquisição da consultoria Cosin pelo DAN em 2016 contribuiu para a disseminação da cultura de consultoria entre as agências do grupo.
A ascensão da cocriação
Agências, veículos e marcas deram mais valor à cocriação para estabelecer conexões mais genuínas com a audiência. A Globo, ao modificar seu departamento comercial e transformar o merchandising da novela A Dona do Pedaço, alçou as oportunidades de cocriação a outros patamares. A emissora realizou projetos multiplataforma criados com agências e anunciantes, como os esforços de conteúdo de TIM para a Black Friday, conduzidos com a agência HavasPlus. Já a Ogilvy, para promover o pack dual de Fanta e Coca-Cola, arquitetou com o canal um plano que envolveu uma das atrações globais mais populares, A Grande Família. E a FCB fez com a Globo o case “Reforma Certa”, para Leroy Merlin. O rechaço do consumidor à interrupção fez com que as três frentes buscassem soluções para reter a atenção das pessoas, criar relevância e gerar vendas. A cocriação se estende de outros campos: varejistas como Amaro e C&A investiram em coleções de roupas feitas em parceria com clientes. O Boticário, por sua vez, promoveu um reality show digital, criado pela W3Haus, cujo vencedor criará um produto para a marca.
Concorrentes se unem em campanhas
A crise da Covid-19 desencadeou uma série de necessidades: serviços mais rápidos e convenientes, produtos mais acessíveis, programas de financiamento e apoio a causas de naturezas diversas. Com isso, concorrentes dos segmentos financeiro e de telecomunicações se uniram em ações conjuntas inéditas. No final de março, Claro, Vivo, Tim e Oi veicularam campanha, criada em conjunto pelas respectivas agências: Talent Marcel, Africa, HavasPlus e NBS, divulgando pacotes especiais com TV e bônus de internet. A Tim, aliás, fez parceria com a fintech C6 Bank para oferecer serviços financeiros e de telecomunicações conjuntos. O acordo também previu a compra de parte do capital do banco pela Tim Futuro. No mesmo mês, Bradesco, Itaú e Santander lançaram filme na TV para promover a inciativa de financiamento da folha de pagamento de pequenas e médias empresas que faturam até R$ 10 milhões. No final de agosto, os três bancos anunciaram os sete integrantes do Conselho Consultivo Amazônia, elaborado para apoiar dez medidas para impulsionar o desenvolvimento sustentável da região.
Restrições dão origem a novas dinâmicas criativas
Em março, a Spcine, empresa municipal de fomento ao audiovisual em São Paulo, suspendeu os alvarás para filmagens em equipamentos e espaços públicos da cidade. Diante disso, produtoras e agências tiveram de buscar alternativas para seguir com a produção de campanhas de forma remota. O cancelamento abrupto de diversos filmes publicitários não se deu somente por fatores sanitários, mas também pela obrigatória mudança de narrativa na comunicação das marcas com a imposição da quarentena. Bancos de imagens, filmagens na casa dos próprios diretores de cena, animações 2D e 3D e câmera de smartphones foram alguns dos recursos recorrentes. Com a adaptação das equipes ao esquema de criação e produção remota, o craft de filmes criados em condições caseiras se sofisticou – a utilização de telas de celulares e imagens de videoconferência rapidamente ficaram saturadas – assim como o storytelling, que precisou encontrar inúmeras narrativas para abordar o distanciamento social e outros temas pertinentes à realidade vivenciada pela sociedade durante a quarentena.
Por: Meio & Mensagem
(Crédito: Arte/Meio & Mensagem)